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26 de Abril de 2024

Oceano: de todos, mas de ninguém

Publicado por Gm M.
há 10 anos

Protocolo em discussão na ONU tentará enfrentar a falta de governança nas águas internacionais, que ameaça a maior parte da biodiversidade do planeta

Uma imensa região sem dono e sem lei, que corresponde a cerca de dois terços dos oceanos. Assim podem ser descritas as áreas de alto-mar que não estão sob a jurisdição de nenhum país. Nessas águas de todos e de ninguém, a exploração dos recursos marinhos ainda não é adequadamente regulada por uma legislação internacional abrangente capaz de proteger o meio ambiente da crescente pressão dos impactos humanos.

Se o ambiente marinho constitui mais de 90% da biosfera, a maior parte da vida existente no planeta se concentra nas áreas alheias à jurisdição dos países. A expansão das atividades econômicas em locais antes inacessíveis compromete os inúmeros serviços ecossistêmicos fornecidos pelo oceano e ameaça gravemente a biodiversidade nas vastas áreas fora de jurisdições nacionais. A consequência da falta de governança em alto-mar – isto é, a incapacidade dos governos de tomar conta dos recursos oceânicos – constitui, antes de mais nada, uma crise ambiental.

A criação urgente de um novo instrumento legal no âmbito da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (Unclos, na sigla em inglês) poderia ser uma saída para solucionar o problema, de acordo com um estudo publicado em abril de 2013 na revista do Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Relações Internacionais (Iddri, na sigla em francês), ligado ao SciencesPo, instituto de estudos políticos de Paris.

O documento, intitulado Avançando na Governança do Mar Profundo (disponível aqui), prevê que a biodiversidade marinha nas áreas de jurisdição nacional (leia o quadro no fim da página), onde está sob forte risco, será “o coração das discussões internacionais nos próximos dois anos”. A primeira proposta para a criação do novo instrumento começou na Rio+20, mas acabou rejeitada.

Um relatório publicado em 2008 pela União Internacional pela Conservação da Natureza (IUCN) revela que atualmente menos de 1% dos oceanos estão formalmente resguardados por áreas marinhas protegidas. Quase todas elas situam-se em regiões de jurisdição nacional. Para o professor brasileiro André Abreu, da ONG francesa Tara Expeditions, números como esse demonstram a importância da criação de um instrumento de governança.

“As áreas fora de jurisdição nacional cobrem mais de 50% da superfície da Terra e não existe um regime jurídico de gestão dessa área. É crucial ter um instrumento capaz de garantir a governança das águas internacionais”, diz Abreu, que coordenou a Campanha Oceanos da ONU durante o processo preparatório da Rio+20.

A convenção da ONU apenas gerencia a navegação e a liberdade de passagem, segundo Abreu. Ela também estabelece uma autoridade internacional competente para regular a exploração de minerais no fundo marinho. “Mas, fora isso, não há nenhum tipo de protocolo para impedir legalmente um navio de despejar petróleo ou lixo em alto-mar”, explica.

A batalha pela governança em águas internacionais tem pouca visibilidade, segundo Abreu, mas é fundamental para todo o ecossistema marinho, responsável por metade do oxigênio disponível. “As pessoas precisam saber que o oceano é o pulmão azul do planeta. O fitoplâncton capta o carbono da atmosfera para constituir seu corpo de carbonato, libera oxigênio e, ao morrer, afunda e fixa o carbono no fundo do mar. O oceano é um grande prestador de serviços ecossistêmicos”, afirma.

DEZ ANOS DE LUTA

Abreu explica que, consciente da importância do alto-mar para a vida na Terra, a comunidade científica e ambientalista tem batalhado pelo acordo internacional de gestão da biodiversidade marinha, que tomará a forma de um protocolo no âmbito da Unclos.

A ideia surgiu na Rio+10, em Johannesburgo (África do Sul), em 2002, e amadureceu até a Rio+20. “A proposta foi apresentada de maneira consistente e infelizmente não foi aprovada. Mas agora estamos no processo de aprovação do protocolo”, afirma. O novo março, segundo ele, vai regulamentar a pesca, a coleta de organismo marinhos, a pesquisa científica e a exploração dos serviços ambientais em alto-mar.

De acordo com Abreu, o novo protocolo deverá modificar radicalmente a governança em alto-mar: essas regiões passariam a ser fiscalizadas por uma autoridade competente. Espera-se que o novo instrumento esteja denido até o primeiro semestre de 2015 e que seja aprovado na 69ª Sessão da Assembleia-Geral da ONU, que abre em setembro de 2014. “Depois disso, haverá ainda uma tramitação até a raticação dos países, mas a ideia do instrumento internacional está praticamente aprovada”, afirma o professor

O protocolo, segundo ele, incluirá a criação de um fundo internacional para a conservação da biodiversidade em alto-mar. Já se comprometeram, segundo Abreu, os países do G77, que hoje são 132, mais a China, o México, a Austrália, a África do Sul e a União Europeia, que tem um peso grande. “Os países que se opõem são os mesmos que bloquearam o acordo do clima: Estados Unidos, Canadá, Japão e Rússia”, diz.

Para Alexander Turra, professor do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo, a Rio+20 teve um sabor de decepção e esperança: a cúpula discutiu com razoável profundidade a questão dos oceanos, mas trouxe poucos compromissos concretos. “Tivemos quase 40 eventos relacionados aos oceanos na conferência. Só não saímos do evento com resoluções práticas.”

O processo avançou em meados de setembro, quando Turra coordenou em Brasília a discussão da ONU para implantação do processo. “O resultado dessa decisão será a base da reunião que ocorrerá na Costa do Marfim no fim de outubro, que, por sua vez, orientará o relatório que entregaremos para a Assembleia-Geral das Nações Unidas”, diz Turra.

O alto-mar passaria a ser fiscalizado por uma autoridade competente. Rússia, Estados Unidos, Japão e Canadá se opõem ao protocolo.

Se a governança em águas fora de jurisdição nacional é ainda um processo em discussão, no caso dos mares nacionais o que chama a atenção é a heterogeneidade entre os países na capacidade de planejamento. “Nos Estados Unidos, Austrália e Reino Unido, por exemplo, o planejamento é um espetáculo. No outro extremo, há países, especialmente na África, que não têm qualquer informação sobre seus mares”, compara Turra.

Entretanto, a maior parte dos países, incluindo o Brasil, encontra-se em uma posição intermediária: há algum planejamento, mas ele está longe do ideal. Isso ficou evidente em junho, no evento de 25 anos do Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro (PNGC), no Ministério do Meio Ambiente. “A conclusão é que o PNGC não foi implementado”, diz o professor do Instituto Oceanográfico.

A reunião, segundo ele, constatou que o Brasil tem março legal, condições institucionais, envolvimento dos atores, mas, na hora da implementação, os instrumentos planejados não são colocados emprática. “No Brasil, o mar está na agenda, mas não é prioridade”, arma.

AMAZÔNIA AZUL

No processo de estabelecimento do novo protocolo junto à Convenção sobre o Direito do Mar, o Brasil está pleiteando na ONU uma extensão de seu território marítimo nas áreas onde sua plataforma continental vai além das 200 milhas. O projeto, denominado Amazônia Azul, é conduzido pela Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (Cirm).

Caso seja aprovado, o projeto aumentará o território marítimo brasileiro dos atuais 3,6 milhões de km para 4,5 milhões de km – uma área correspondente a cerca de 52% da área continental do País. O nome do projeto se deve ao fato de que a área oceânica sob jurisdição brasileira será mais extensa que o bioma Amazônia.

O projeto é relevante, segundo Turra, porque o Brasil tem interesses estratégicos nessa imensa área oceânica: o País retira a maior parte de seu petróleo e gás do subsolo marinho, no limite máximo da ZEE. No futuro, estenderá seu alcance à borda da plataforma continental ampliada.

“Ainda não há capacidade técnica para explorar jazidas nessas áreas, porque o custo é muito alto. Mas muitos países já fazem prospecção e reservam áreas. Quando as fontes terrestres se esgotarem, será viável explorar no mar e o Brasil precisará ter direito de soberania nessas áreas”, declara (leia mais na reportagem “Oceanos S.A.).

Para viabilizar o projeto, de acordo com Turra, foi preciso apresentar à ONU uma série de estudos sobre a configuração geológica da plataforma jurídica e o potencial de pesca e as jazidas minerais, entre outros aspectos.

O governo utilizou dados produzidos pelo Programa de Avaliação do Potencial Sustentável de Recursos Vivos na Zona Econômica Exclusiva (ReviZEE), do Programa de Avaliação da Potencialidade Mineral da Plataforma Continental Jurídica Brasileira (Remplac) e do Plano de Levantamento da Plataforma Continental Brasileira (Leplac).

“Além das pesquisas, para ter o projeto aprovado pela ONU, o Brasil precisará mostrar que estabeleceu um processo adequado de governança dos oceanos. Temos todas as condições. Falta, agora, vontade política”, conclui Turra

Direito do mar: convenções e definições

A Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar foi assinada em 1982 e ratificada pelo Brasil em 1988. O documento define o que é considerado água fora da jurisdição dos Estados Nacionais, quais são as águas nacionais e regula a soberania dos Estados costeiros sobre elas. Além da convenção, a governança dos mares dispõe de um tribunal internacional competente, ligado à ONU, inaugurado em 1996 em Hamburgo (Alemanha). O objetivo é regular litígios no uso de recursos pesqueiros e riquezas do seu solo e subsolo marinho.

Ao regulamentar o uso das áreas marinhas ao redor dos países, na prática, a Convencao de 1982 dividiu o espaço marinho em quatro tipos. O nível mais próximo é o “mar territorial”, que equivale a 12 milhas marítimas (22 quilômetros). “É praticamente uma extensão do território do país. Todas as leis nacionais valem ali”, explica Alexander Turra, professor do Instituto Oceanográfico da USP. O segundo nível é a chamada “zona contígua”, com mais 12 milhas marítimas. É como se fosse uma zona de amortecimento. Ali as autoridades de um país não podem deter ninguém, mas podem prevenir que eventuais contravenções sejam realizadas.

O terceiro nível, explica o professor, é a “zona econômica exclusiva”, que se estende por até 200 milhas náuticas (370 quilômetros) contadas a partir da costa. Nessa área, apenas o país costeiro pode explorar os recursos marinhos – tanto na água quanto no fundo e no subsolo, o que inclui as jazidas de petróleo do pré-sal.

Já o quarto nível é a “plataforma continental jurídica”, que nem sempre coincide com a plataforma continental geográfica. “Fisicamente, a plataforma continental é um platô que vai desde o continente até uma região onde há uma queda abrupta de profundidade. Às vezes ela termina antes ou depois da plataforma continental jurídica – até um limite máximo de 350 milhas da costa”, diz.

Nesse prolongamento, o Estado costeiro tem direito à exploração dos recursos do solo e subsolo marinhos, mas não dos recursos vivos da camada líquida. A distinção é geológica: a plataforma jurídica se baseia na sedimentação. “Se o continente produz areia e deposita no fundo, a interpretação é que a área faz parte do território do país, ainda que esteja além das 200 milhas.”

Fonte: www.institutocarbonobrasil.org.br

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